Fama que inocenta
- Joziane Barbosa

- 9 de set. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 9 de set. de 2023

Alguns jogadores de futebol possuem mais do que o amor pelo esporte em comum. Fora das quatro linhas do campo, servem de exemplos para aqueles que os admiram, enquanto outros demonstram ser indivíduos capazes de cometer crimes. E ainda assim, continuam nas equipes que trabalham ou são contratados por outras. Mas o que realmente chama a atenção são os tratamentos distintos dados aos jogadores, ainda que tenham praticado o mesmo crime: Jogadores já famosos e com a carreira consolidada têm o direito de defesa e de continuar jogando durante o processo ou até mesmo quando já condenados, enquanto os ‘desconhecidos’, iniciantes, são tratados desde o começo como criminosos.
Esse texto foi escrito por mim e postado originalmente no COMUNICA UERJ, um portal de notícias feito pelos estudantes de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
Os crimes variam desde prisões por atraso no pagamento da pensão alimentícia, sonegação fiscal, falsidade ideológica até crimes cometidos contra mulheres como pedofilia, estupro, assédio sexual e, em casos mais drásticos como do goleiro Bruno, que foi condenado por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver de sua amante Eliza Samudio, além de sequestro e cárcere privado de seu filho com ela.
Entretanto, muitos desses jogadores continuam suas vidas profissionais como se nada tivesse acontecido. Ainda que condenados pela Justiça, a fama já alcançada não permite que eles sejam integralmente retirados do patamar e ambiente social em que já estão inseridos.
Em 2022, o volante chileno Pulgar foi contratado como um dos reforços do Flamengo. O time ignorou os protestos da torcida contra a vinda do jogador que, em 2013, se envolveu em um atropelamento que causou a morte de um idoso. O atleta também é testemunha de um estupro que teria acontecido em sua residência.
O ex-técnico do Atlético Mineiro, Cuca já foi acusado de violência sexual contra uma jovem de 13 anos, em 1987, quando jogava no Grêmio. Além dele, outros três brasileiros foram indiciados pelo crime e presos por 29 dias na Suíça. O caso foi relembrando por parte feminina da torcida do Atlético Mineiro quando o clube começou a sondar Cuca para assumir o comando técnico do time, em 2021.
O ex-Santos Robinho foi acusado de estupro e condenado a nove anos de prisão, na Itália. O crime aconteceu em 2012, numa boate em Milão, onde o jogador esteve presente com outros cinco brasileiros. A vítima estava na boate para comemorar seu aniversário. No entanto, em 2016, a mulher acusou o jogador de crime sexual e o caso veio à tona. Robinho não compareceu a qualquer das audiências durante os seis anos de julgamento, enquanto sua defesa alegava que as traduções das conversas grampeadas estavam equivocadas e era impossível provar que a vítima estava drogada e não tinha consciência do que acontecia. A sentença na primeira instancia aconteceu em 2017 e a segunda em 2020, condenando o jogador a nove anos de prisão pelo crime de estupro.
Robinho já havia sido condenado em primeira instância quando foi contratado pelo Santos para retornar ao time pela quarta vez. Ignorando protestos da torcida, principalmente da parte feminina, o time continuou com o jogador até que a pressão começasse a vir dos patrocinadores, que ameaçaram encerrar seus negócios com o clube caso o jogador ficasse. Na época, o time soltou uma nota e alegou ser “contra qualquer crime contra mulheres”, mas afirmou que não iria dar as costas para Robinho e decretar juízo de valor durante um processo com recursos em andamento.
Apesar da sentença, Robinho não foi preso pois já estava no Brasil quando foi condenado e o país não extradita cidadão brasileiro para cumprimento de pena no exterior. Sendo assim, caso saia do país, Robinho pode ser preso.
Quando falamos de crimes cometidos por atletas, nem o cinco vezes melhor do mundo escapa. Cristiano Ronaldo foi acusado de ter estuprado Kathryn Mayorga em Las Vegas, em 2009, mas o crime só virou manchete de jornais, revistas e sites em 2018. Na época, a vítima não identificou o agressor em sua denúncia pois ficou com medo de sofrer represálias por parte dos fãs de Cristiano, que já era mundialmente famoso e idolatrado. O jogador negou todas as acusações, enquanto Mayorga teria assinado um acordo milionário para não falar sobre o caso e apagar as provas que tinha. O medo de Mayorga se tornou real, pois, quando o público tomou conhecimento do caso, muitos disseram que ela estava mentindo já que “Cristiano Ronaldo não precisa estuprar ninguém. Ele é rico e famoso.”
Atualmente, Cristiano Ronaldo continua sendo ídolo de muitos, um dos jogadores mais bem pagos do mundo e jogando em alguns dos times mais prestigiados do futebol internacional.
Do outro lado, na parte dos jogadores sem tanto investimento financeiro e ainda em times de menor expressão, Hellton Matheus, de 27 anos, ficou conhecido como “o ‘gato’ da Copinha de São Paulo em 2017, quando usou identidade de um conhecido para diminuir dois anos em sua idade e assim poder participar do Campeonato Paulista de Jundiaí.
Em entrevista, Hellton me contou que o futebol sempre fez parte da sua história e que participar da Copinha de 2017 seria sua última chance de conseguir um futuro melhor para seus pais através do esporte. O jogador sabe que errou e que mereceu a suspensão de um ano que recebeu do Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo, mas afirma ter sido tratado como um bandido na época: “Eu fui taxado como um dos caras mais perigosos do Brasil só porque eu usei a identidade de outra pessoa. Segundo a mídia, eu era capaz de fazer um mal muito grande para a sociedade. Mas, na verdade, eu fiz o que fiz para tentar realizar um sonho”, relatou Hellton.
Mostrando que a fama colabora na defesa de jogadores, o ex-jogador Vampeta saiu publicamente em defesa de Hellton. O pentacampeão afirmou que era comum acontecer esse tipo de coisa no futebol e que os julgamentos eram exagerados. Além de ter pago advogados para defendê-lo, Vampeta levou Matheus para o Audax, time do qual era presidente na época. “Foi um milagre o que aconteceu comigo, sabe? O Vampeta se pronunciou e me ajudou! O Vampeta! Pentacampeão mundial! Ele falou a meu favor, se preocupou em saber o porquê de eu ter feito aquilo, porque eu queria jogar bola com a idade que eu tinha que, para o futebol, já era bem avançada e tal”, disse.
Matheus relembra que, na época, a justiça desportiva queria puni-lo com quatro anos de suspensão no futebol. Muito mais do que o jogador Emerson Sheik, por exemplo, que alterou sua data de nascimento na identidade de dezembro de 1978 para setembro de 1981. O jogador foi descoberto pela Polícia Federal e teve somente que pagar multa e prestar serviços comunitários. Sheik continuou no futebol, passou por grandes clubes e se tornou um dos heróis do Corinthians na conquista da Taça Libertadores em 2012.
A lei pode até ser para todos, mas o julgamento social vai depender do peso do nome do jogador e do que ele já fez pelos clubes até aquele momento.



Comentários