O esporte enxerga aqueles que a sociedade finge não ver
- Joziane Barbosa

- 9 de set. de 2023
- 4 min de leitura

Com a capacidade de gerar inclusão social, o esporte impacta diretamente a vida de quem mora em favelas e sofre com a desigualdade social. Chegando através de projetos sociais, o esporte aparece como possibilidade de destaque positivo e um futuro melhor.
Em entrevista exclusiva ao COMUNICA UERJ, a boxeadora da seleção brasileira Rebeca de Lima e a judoca Raíssa Lima, duas mulheres nascidas no complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, falaram como passaram a se sentir parte da sociedade depois que conheceram os esportes em projetos sociais da comunidade.
Esse texto foi escrito por mim e postado originalmente no COMUNICA UERJ, um portal de notícias feito pelos estudantes de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
Parte da sociedade
Raíssa sabe de tudo que aprendeu e continua aprendendo desde seu primeiro contato com o esporte: “Eu acho muito importante tudo o que eu aprendi desde que conheci o esporte como esporte, não como violência. Na ONG Luta Pela Paz, eu aprendi também sobre desenvolvimento pessoal, e isso colaborou muito para o meu crescimento pessoal e profissional. Hoje em dia, eu sei como me comportar em uma entrevista e como falar com as pessoas. Tive a oportunidade de ingressar na faculdade através do judô, e de conhecer outras pessoas, outros lugares e outras realidades”, afirmou. Além disso, Raíssa reconhece ter se tornado disciplinada e responsável depois que conheceu o esporte. Ela ainda tentou influenciar alguns amigos a também praticarem, mas nem todos continuaram nesse caminho.
Rebeca é enfática ao dizer: “Tudo o que eu tenho foi o boxe que me deu. O boxe mudou a minha vida e continua mudando. A Rebeca antes do boxe era uma e a Rebeca de hoje é outra, em questão social mesmo. Eu cresci, amadureci as minhas ideias. Me tornei alguém firme do que faz, sei o que quero e não quero.” Quando perguntada sobre ter se tornado alguém mais responsável, Rebeca tocou num ponto que faz parte da vida de todos aqueles que nasceram e moram em favelas: “Sim, quando a gente nasce, cresce e vem desse meio social, nós somos obrigados a sermos responsáveis desde cedo. Se não é no amor, é no ódio. E normalmente o ódio vence e por isso falam que a ‘galera’ periférica é cheia de ódio no coração. E não deixa de ser verdade, nós temos muito motivo para termos ódio no coração. O problema é que o ódio, às vezes, pode nos cegar”, declarou.
O ódio mencionado por Rebeca tem como uma das causas, além do tratamento que a sociedade dá aos moradores de periferias e à criminalidade local, o tratamento brusco que os moradores da Maré recebem da polícia. Em 2021, 48 moradores tiveram seus direitos violados por agentes da segurança pública em operações na favela, de acordo com a organização Redes da Maré.
Segundo um balanço feito pela Luta Pela Paz, em um dia de operação policial na favela, 210 jovens ficaram sem aula de desenvolvimento pessoal, 12 famílias sem acesso a atendimento psicossocial, 36 jovens sem aula no curso de programação, cinco famílias sem aula no projeto de assessoria e encaminhamento para o mercado de trabalho, três empreendedoras sem acesso à mentoria dos seus negócios e 410 crianças e adolescentes sem atividade esportiva.
O futuro do esporte brasileiro pode estar dentro das periferias?
“Sim, claro! Eu vivo dizendo que existem outras Rebecas, outras grandes lutadoras e grandes treinadores que só faltam ser descobertos. Só falta um pequeno incentivo e não precisa de muito para incentivar uma criança. Há muita gente boa em projetos sociais”, afirmou Rebeca, que ressaltou a importância das crianças de favela terem boas influências por perto. Atletas que as visitam nos projetos sociais e trocam algumas palavras podem mudar o dia ou a vida daquela criança, daquele jovem que está praticando esporte na periferia.
“Eu vejo muita gente boa dentro da Luta Pela Paz, muita gente mesmo” afirmou Raíssa.
Inspirações
Ao falar daqueles que tem como inspiração no esporte, Rebeca surpreende ao dizer que não precisa ir muito longe para encontrar as suas: “Eu não preciso olhar apenas para os atletas que estão no topo. Meus colegas de treino quando eu ainda estava na Luta Pela Paz são algumas das minhas inspirações, o que eles enfrentavam diariamente para estarem ali é inspirador. Os treinadores da ONG. Eu me inspiro também em coisas pequenas, algumas atitudes, ações que levam a pessoa a se tornar alguém grande. Acho que é assim que se constrói uma história bonita”, afirmou pouco antes de destacar seu desejo de conseguir mudar vidas, de ser inspiração assim como é inspirada por outras pessoas. Rebeca espera que sua trajetória, sua história pessoal e profissional sejam espelho para crianças e jovens, nem que seja na maneira de pensar.
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Raíssa também pensa naqueles que, assim como ela, têm o esporte como ferramenta de inclusão social. Ela se mantém próxima aos alunos da Luta Pela Paz, seja como professora de judô ou uma amiga, além de querer ser inspiração para outras pessoas.
Pensando nas outras mulheres

Em 2019, Raíssa abriu uma ONG chamada Pra Elas, com o intuito de acolher mulheres. Mas por que só mulheres? “Aqui na Maré tem muitos projetos que acolhem homens, além do futebol que os caras sempre se juntam para jogar. E com isso, eu percebi que as mulheres não têm um projeto para a saúde delas a partir dos 30 anos. Tem a Luta Pela Paz, mas só atende a pessoas até os 29 anos. E o Pra Elas vem muito disso, de acolher às mulheres que são
esquecidas”, comentou. Na ONG, as mulheres têm treinos de funcional, boxe e defesa pessoal, além de assistência social. Durante a pandemia, o Pra Elas fez campanhas de arrecadação e distribuiu cestas básicas para suas alunas.

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