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O esporte mudando vidas dentro das favelas do Rio


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Reprodução/Internet

A boxeadora da seleção brasileira Rebeca de Lima e a judoca Raíssa Lima, duas mulheres nascidas no complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, tiveram suas vidas transformadas depois de conhecerem o esporte em projetos sociais dentro da comunidade.




Esse texto foi escrito por mim e postado originalmente no COMUNICA UERJ, um portal de notícias feito pelos estudantes de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

Em um país com a maior taxa de desigualdade social no mundo, o esporte se torna uma importante ferramenta de inclusão social, impactando diretamente na realidade daqueles que, se fosse de outra maneira, possivelmente não conseguiriam ser destaques positivos na sociedade. O ambiente das favelas não é propício para que os moradores alcancem melhores condições de vida. A violência (que fecha as escolas em dias de confrontos envolvendo o tráfico e a polícia), o trabalho ineficiente do Estado em cuidar dessa população e a forma com que a mídia exalta a violência dentro das periferias, desperta a sensação de que foram excluídos da sociedade.


Por isso, é natural que os responsáveis por crianças e jovens das favelas fiquem preocupados com o presente e o futuro deles, sendo um alívio quando projetos sociais, como as Vilas Olímpicas e as Organizações não Governamentais (ONGs), como a Luta Pela Paz, aparecem com a missão de melhorar a vida desses jovens, dar a eles uma nova perspectiva. E foi dentro de uma Vila Olímpica que Rebeca de Lima conheceu os mais diversos esportes que praticou antes do boxe, quando começou a treinar na ONG Luta Pela Paz, onde Raíssa Lima teve sua vida transformada pelo judô.


Projetos sociais


A Vila Olímpica da Maré surgiu em 1999 com o objetivo de proporcionar oportunidades de práticas esportivas e assistência em saúde, educação e cultura, tendo o desenvolvimento pessoal e coletivo como uma das principais metas.


A ONG Luta Pela Paz foi fundada um ano depois, em 2000, pelo britânico Luke Dowdney, ex-pugilista que decidiu levar o boxe para a Maré a fim de apresentar o esporte aos jovens. Naquele ano, os jovens de comunidades carentes estavam no topo dos índices de mortalidade. Com o crescimento da ONG, graças ao aumento do interesse da comunidade, a Luta Pela Paz ampliou o atendimento para crianças de seis anos de idade aos adultos de até 29 anos. A ONG é constituída de cinco pilares principais: artes marciais, liderança juvenil, educação, empregabilidade e suporte social. “Com essas cinco linhas de atuação, nós criamos uma metodologia em que identificamos que assim conseguiríamos atrair mais jovens e ter uma retenção maior com a ampliação dos serviços oferecidos”, explicou Ana Caroline Bello, ex-aluna e atual gerente da ONG, ao COMUNICA UERJ.

Rebeca de Lima e Raíssa Lima


Em entrevista exclusiva ao COMUNICA UERJ, Rebeca e Raíssa contaram como conheceram os esportes e como tiveram suas vidas transformadas.


Rebeca começou sua história no esporte na Vila Olímpica como forma de se manter longe das ruas durante o tempo em que sua mãe trabalhava: “Eu ficava sob os cuidados da minha avó que não conseguia me manter em casa, pois eu sempre fui muito agitada e era difícil me manter trancada. Sabendo também que eu gostava muito de esportes, minha mãe me inscreveu nas atividades esportivas na Vila Olímpica da Maré. Era uma maneira dela ficar tranquila por saber onde eu estava enquanto ela estava trabalhando. Eu chegava da escola e ia direto para lá, e ficava praticamente a tarde inteira” declarou.

Rebeca conheceu o boxe quando viu algumas garotas da Luta Pela Paz correndo e praticando alguns movimentos na ciclovia da Vila Olímpica. Curiosa sobre o esporte, que se demonstrava diferente daqueles que ela já praticava, visitou o prédio da ONG que ficava perto da Vila Olímpica. A partir daí, ela teve certeza de que queria começar a treinar boxe.


Raíssa, por outro lado, entrou no mundo do esporte para poder defender sua mãe que sofria violência doméstica: “Eu entrei no esporte para bater no meu pai. Eu, com nove anos de idade, achava que podia enfrentar um homem formado”, declarou. Na Luta Pela Paz, Raíssa teve mais do que os treinos de boxe, teve também acompanhamento social e psicológico, tanto para ela quanto para sua família. Um tempo depois, com a separação dos pais, ela pôde enxergar o esporte com outros olhos que não fossem só os da violência. Após assistir à aula de uma professora em um tatame da ONG, decidiu mudar do boxe para o judô.


Ainda que treinassem arduamente, Rebeca, Raíssa e suas famílias não enxergavam o boxe e o judô como profissão. Para famílias humildes, o esporte nem sempre é visto como profissão. É difícil um morador de favela se manter como atleta até que alcance o reconhecimento no que pratica. As necessidades básicas os obrigam a procurar trabalhos que, pela carga horária, acabam os tirando do esporte. Isso aconteceu com alguns amigos de Rebeca que não tinham alguém que os sustentassem enquanto treinavam, como ela teve. “Eu conheci muita gente boa no boxe que precisou parar para trabalhar”, comentou. Já Raíssa teve o trabalho e o esporte interligados, pois foi graças ao judô que ela conseguiu seu primeiro emprego como recepcionista da Luta Pela Paz.

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O esporte e os estudos


Rebeca confessa que sua mãe sempre ressaltou a importância de concluir os estudos, sendo essa a única exigência para que continuasse a praticar esportes. Aos 17 anos, ela foi a primeira atleta da categoria feminina de boxe do Brasil no Mundial Juvenil, realizado em 2017, na Hungria. No final do mesmo ano, foi para a base de treinamento da seleção brasileira de boxe em São Paulo. Na época, Rebeca ainda estudava e tinha que continuar conciliando os estudos ao esporte, agora mais profissional: “Era outro tipo de treino, outra galera, outro estado porque eu tive que ir morar em São Paulo. Eu ficava lá por 15 dias e voltava pra casa, porque ainda era base de treinamento e porque eu era menor de idade e não podia morar lá oficialmente. E não podia largar os estudos, eu estava cursando o penúltimo ano do ensino médio”, lembrou.


Raíssa também teve seus estudos ligados ao esporte quando venceu um campeonato de judô e conseguiu a bolsa de estudos para ingressar na faculdade “Eu não consegui vaga na faculdade através do Enem, mas consegui com o judô. São oportunidades que o esporte nos dá. Por isso eu sempre incentivo os jovens a não desistirem do esporte, dos estudos, porque oportunidades como essa que eu tive surgem através do esporte.”


Oportunidades


Além de oportunidades acadêmicas, o boxe e o judô deram a Rebeca e Raíssa, respectivamente, chances de viagens que elas mesmas reconhecem não saber quando seriam capazes de pagá-las. Viajando para campeonatos, elas conheceram outros lugares fora do Rio de Janeiro, como São Paulo, Maceió, Brasília e, no caso de Rebeca, fora do Brasil também. “Eu não sei quando e se meus pais teriam condições de me levar a esses lugares algum dia”, afirmou Raíssa.


Rebeca ressalta a importância do boxe em sua vivência pessoal: “Eu sempre falo que as primeiras coisas que eu experimentei na vida foram através do boxe. Viagens, contato com outros idiomas, outras pessoas. Ter viajado foi por causa do boxe. Quando que uma garota preta periférica iria viajar aos 18 anos para os Estados Unidos? Para o Equador? Hungria? Três viagens internacionais com 18 anos. Quando?”, questionou Rebeca.

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